“Estávamos vendo uma coisa claramente desnecessária”, diz Geldof. “Um crime, na minha opinião. Trinta milhões de pessoas estão morrendo, enquanto na Europa estamos gastando impostos para cultivar alimentos que não precisamos. Gastamos mais impostos para estocá-los e pagamos ainda mais, o que é pior, para destruí-los”.
Nesta entrevista, Bob Geldof fala sobre os bastidores do “Band Aid”, “Live Aid” e “Live 8”.
Quando você viu a reportagem de Michael Burke, quanto tempo você passou pensando, “não posso fazer nada, sou apenas um músico”. Pareceu um grande salto achar que você poderia fazer a diferença.
Eu volto para quando eu tinha 11 anos. Eu não era interessado por esportes. As condições pessoais de minha vida eram terríveis. E então o Rock n’ Roll chegou para este “não-mundo”, esta agitação, que definiu e articulou completamente o que eu estava pensando. Alguns anos depois e eu comecei um lance anti-apartheid com meu amigo Mike Foley. Eu tinha 13 anos. Eu estava lendo Steinbeck, Studs Terkel, Woody Guthrie, então fui de encontro à pobreza através da cultura popular, de certa forma. Aos 15 anos eu não precisava ir pra casa, então eu rodava por Dublin a noite toda com um grupo chamado Comunidade de Simon, fazendo sopa e servindo aos sem-teto e prostitutas. Aquilo era eu. Então quando você chega ao “Live Aid”, não é tão insano o fato de que eu buscaria pela coisa com que eu sempre pude contar: o Rock n’ Roll.
Nos leve daí para o single do Band Aid, “Do They Know It’s Christmas…
Então eu pensei, o que posso fazer? Eu tenho uma plataforma. Eu posso escrever canções, mas o Rats não está conseguindo hits. É embaraçoso, porque se eu escrever uma canção e o Rats estourar, vai parecer que estávamos tentando explorar a situação. Enquanto isto, Paula (Nota do Tradutor: a esposa de Bob Geldof) encontrou com Midge (N.T.: cantor do Ultravox) no The Tube, e ele tem feito alguns hits. Então decidimos escrever algo juntos. No taxi, quando estava indo ver meu amigo, escrevi a letra de “Do They Know It’s Christmas” e os acordes: Dó, Fá e Sol. Então, é claro, ficou claro que eu teria que juntar algumas pessoas. Através do The Tube, acabamos conhecendo o Duran Duran, então liguei para Simon Le Born. Eu vi o Gary Kemp (N.T.: guitarrista do Spandau Ballet) numa loja de antiguidades. Sting faz aniversário no mesmo dia que eu, então liguei para ele. Então por volta da hora do almoço, eu tinha uma banda e a maioria da letra, e havia este garoto que veio ver o Rats em Dublin – este garoto se tornou Bono Vox.
Então você se encontrou com Midgie… ?
Midgie escreveu a melodia. Eu disse que parecia o tema do “Z Cars”, e então ele respondeu: “É melhor do que a merda que você escreve”. Eu adaptei uma composição chamada “It’s My Life”: “it’s my life, anda there’s no need to be afraid…” – escrevi isto para o Rats, mas eles não gostaram. Então eu dei uma saída e quando retornei Midgie havia realmente feito a canção. Só precisávamos de um meio e um fim. “Here’s to you, raise a glass everyone…” nós fizemos juntos. “Feed the world, let them know it’s Christmas time…”, já não tenho tanta certeza quem de nós escreveu. De qualquer forma, terminamos a música e eu pensei, “ótimo, ela será um sucesso. O Lançarei duas semanas antes do natal, ganho 100 mil dólares, dou ao Oxfam (N.T.: organização não governamental que trabalha para combater a pobreza e injustiça ao redor do mundo), fim.
Mas não foi o fim…
Não. Então eu fui à África. Eu não queria ir, mas a imprensa disse, muito friamente, que se eu ao fosse, não haveria história. Eu era a história. Então eu fui para a África, vi a situação e percebi o quão terrível era. Harry Belafonte (N.T.: músico, cantor, ator, ativista político e pacifista norte-americano de ascendência jamaicana) me ligou e perguntou, “por que os ingleses estão fazendo isto? Por que nós não estamos fazendo isto”? Então disse para ligar para Quincy Jones. Eles fizeram o “USA For Africa”. Juntar os dois pareceu fazer sentido. Fazer um show, porque é isto que os músicos fazem. Eu sei que isto soa estranho, mas não parecia. Até o lance da transmissão via satélite não parecia novo para mim, porque eu já havia visto os Beatles fazer “All You Need Is Love”. Então eu pensei, “vou fazer o que eles fizeram”. Então George Harrison me ligou e disse, “não cometa os mesmos erros do ‘Concert For Bangladesh’, os advogados nos foderam”. Aí eu disse, “Não há advogados”. Ele respondeu, “Uau”! A idéia era: sem gravações, sem filmagens, sem videos, apenas 15 minutos de seus hits, e então tchau.
O lance sobre o “Live Aid” era, claro, o dinheiro, os 30 milhões de libras arrecadados. Mas ele se tornou algo muito além disto. Eu não tinha previsto completamente o número de telespectadores, que se tornou um lobby político. Thatcher concordou colocar a pobreza na agenda do G7, aceitando o argumento de que a pobreza é uma influência desestabilizadora da economia global. Em 13 de julho de 1985, eu entendi que isso era um lobby político. E o sucesso dele provou que as coisas poderiam mudar. O individuo é não é impotente em face das monstruosidades. Há um acordo tripartidário sobre isto agora: os Tories (N.T.: partido britânico com tendências conservadoras) colocarão 0,7% do PIB do Reino Unido para a Assistência Oficial de Desenvolvimento, algo único no mundo, e que foi um resultado direto do “Live Aid”.
Quais as lições que você aprendeu com o “Live Aid” que você aplicou ao “Live 8” ?
Não há correlação. Colocado puramente em termos financeiros: “Live Aid” – 150 milhões; “Live 8” – 80 milhões. Mas o “Live Aid” teve o momento “me dê a porra do seu dinheiro” (N.T.: Quase sete horas depois do início do concerto em Londres, Bob Geldof foi informado de que o montante recebido não passava de 1,2 milhão de libras. Geldof deu uma entrevista que se tornaria célebre, na qual fez o apelo que se tornaria célebre: “Apenas nos dê a porra do seu dinheiro”. No dia seguinte os jornais noticiaram que o montante arrecado estava entre 40 e 50 milhões de libras). E Bowie apresentou o filme sobre a fome. Eu mostrei aquele filme a David no “Havery’s Goldsmith por volta das 19h30. Vamos nos lembrar por um minuto que Bowie é um deus absoluto. Eu o conheci quando era um garoto. Eu peguei carona para vê-lo na Bélgica, durante a turnê do “Station To Station”, lhe contei que tinha uma banda e mostrei algumas fotos do Rats. Eu o enchi no backstage e ele foi tão legal. Não se esqueça que ele lançou o “Band Aid” antes do “Top of The Pops”, quando ele usou uma camiseta horrível, escrito “Feed The World”. Mas ele é o cara mais gentil. Você nunca imaginaria isso de David Bowie.
Nós o mostramos o filme, imagens sobre o problema da fome, tendo como trilha a canção “Drive”, do Cars. Ele sentou, com lágrimas nos olhos, e disse, “ok, vou lhe dar uma canção”. Eu disse, “Espere aí…”. Eu não queria que David Bowie me desse uma música, quer dizer, alô? Mas ele estava certo. Aquele era o momento no qual as pessoas diziam, “foda-se tudo, pegue o que você quiser de mim”.
O “Live 8”, entretanto… As pessoas nunca entenderam o fato de que tudo o que eu precisava era que elas estivessem ou lá, ou nas ruas ou assistindo o show na TV. Só para eu poder dizer para os líderes mundiais, “aqui estão eles, eles estão lhe assistindo, responda a eles”. Blair e Brown assistiram o “Live Aid”, eles dizem que o evento influenciou toda sua visão política. Clinton diz que assistiu. Bush até disse que assistiu por algumas horas… é claro que ele não assistiu. Mas este foram os bebês do “Live Aid”. E números são políticos. Um milhão de garotos nas ruas é político.
Então por que o “Live 8” recebeu tantas críticas?
Eu não acho que os idiotas entenderam, apesar de haver milhões deles. Aquela ressonância romântica não estava lá, apesar de eu imaginar que os fãs do Pink Floyd se lembrarão do show como a última vez em que a banda se apresentou junta. Os críticos estavam dizendo, “onde estão os negros”? Alô! Jay-Z, Beyoncé, o porra do Snoop Dog, Will Smith? E, quem são aqueles caras? – ah sim, os Black Eyed Peas.
“São todos velhotes”, disse a imprensa. Sério? O porra do Pete Doherty, Ashcroft, The Killers, Razorhead… Quem mais? Isso foi um saco! Se você ver as fitas, indiscutivelmente é um show melhor. Ok, “Live Aid” é um show fenomenal. Fora os óbvios U2’s e Queens da vida, quem fez grandes apresentações, em minha opinião, foi Elvis Costello cantando “All You Need Is Love” e lendo as letras. Bowie detonou… McCartney, que não tocava sozinho há anos, nervoso pra caralho, e seu microfone quebra e Townshend vem e o ajuda. Foi o Rock n’ Roll sendo maravilhoso. Acontece que, no final, tudo o que você precisa é de amor.
Em ambos eventos você teve a cooperação de pessoas notáveis…
Para o “Live 8”, o Pink Floyd nos deu total acesso aos ensaios, nos deixou filmar e usar as imagens para qualquer propósito que quiséssemos. Estas são supostamente as pessoas mais grosseiras do Rock. O Zeppelin e o Sabbath se reuniram para o “Live Aid”. E quando achamos as fitas para fazer o DVD do “Live Aid”, eu mostrei a Jimmy. Plant concordou, disse que poderíamos usar, mas Jimmy Said que não poderia: “Não posso Bob, está uma merda”. Eu disse, “não está uma merda, Jimmy, realmente não está. É uma pena as pessoas não poderem ver, mas você é o único filho da puta que está se recusando”. Ele continuou, “não posso… não posso”. Uma semana depois, recebi uma carta de Jimmy. “Há um novo DVD ao vivo do Zeppelin saindo. Fique com toda o dinheiro”. Foi uma generosidade impressionante. Eu odeio quando as pessoas desrespeitam o Rock n’ Roll. Odeio! Foda-se.
Música, cultura, política: você realmente nunca viu um divisão…
Tudo isto faz total sentido para mim. Tudo que já fiz foi através das lentes da música, a oportunidade que a música me deu de dizer, “foda-se, as coisas não têm que ser desta forma”. Há outros universos que são possíveis de ser construídos. E tudo isto vem de quando eu tinha 11 anos e escutava John e Paul, Mick, Bob e Pete.
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