segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Iron Maiden: A Tragédia Pessoal do Baterista Clive Burr


Fonte: Classic Rock Magazine

Quando o baterista CLIVE BURR foi chutado do IRON MAIDEN em 1982 ele achou que as coisas não poderiam piorar muito. Daí ele foi diagnosticado com esclerose múltipla e sua vida virou de pernas pro ar...

Por LEE MARLOW, traduzido por Nacho Belgrande

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Começou primeiramente em suas mãos. De todos os lugares, suas mãos – as ferramentas de seu comércio. Era apenas uma sensação de formigamento a princípio, nada de mais ou muito preocupante; inconveniente ao invés de doloroso. Mas não passava. E, ao invés de piorar, foi ficando continuamente, preocupantemente pior. A dedução de CLIVE BURR sobre o formigamento em suas mãos era simples: era por causa da bateria. Deve ser toda aquela bateria que ele tocou por anos a culpada.

‘Bata nelas com força’, ele tinha imprimido em suas baquetas feitas por encomenda. “E eu sempre bati”, ele diz. “Então eu continuei. Eu guardei aquilo no fundo da minha cabeça, tentei não pensar nisso”.

Isso foi no fim dos anos 80, ele acha. 1988 ou talvez 89. Um longo tempo depois de ele ter deixado o IRON MAIDEN. Ele tinha ocupado o banquinho de uma meia dúzia de bandas desde o Maiden.

Por volta de 1994, estava tão ruim que ele não podia continuar ignorando. “Eu vivia deixando as coisas caírem”, ele diz. “Eu não conseguia segurar nada direito. Eu mal podia segurar minhas baquetas.” Quando ele não conseguia mais rodar as baquetas entre seus dedos – o tipo de truque que ele conseguia fazer com os olhos fechados dois anos antes – tinha chegado a hora de consultar um médico.

O diagnóstico levou meses. Houve testes e exames, mais testes, até que eventualmente tudo culminou no consultório de um clínico, um homem de cara fechada com notícias muito ruins. Pior, impossível. Os exames revelaram esclerose múltipla, e duma variação particularmente virulenta e agressiva da doença, e por isso chamada de EM Inicial Agressiva. A vida do Sr. Clive Burr estava prestes a mudar para sempre.

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Hoje em dia, o homem que fornecia a frenética porém sempre distinta e original espinha dorsal rítmica dos três primeiros discos do Iron Maiden está numa cadeira de rodas. Algumas vezes, apenas sair da cama para encarar um novo dia é uma luta. “Eu fico muito cansado”, ele diz. Eu nem sempre consigo fazer o que quero.”

A bateria dele está numa garagem em sua casa especialmente adaptada em Wanstead, zona leste de Londres, que ele divide com sua parceira Mimi, uma ex-professora de catecismo que também tem EM. “Meeeeeeeeemes”, ele grita, repetidamente ao longo de nossa entrevista. “Onde está o meu Rosie?” [Rosie Lee = marca de chá]. “Eu só tiro a bateria quando meus sobrinhos vêem agora”, ele diz. “Eles parecem gostar”. Para Clive, agora com 53 anos de idade, é só até aí que a coisa vai hoje em dia.

Em outro aglomerado de tralhas está uma pilha de pratos Paiste danificados, quebrados em vários shows da turnê Beast On The Road em 1982; um lembrete contundente, se fosse preciso, do baterista poderoso que ele uma vez foi. Seus dias de baterista estão acabados.

Nas raras ocasiões que a EM o abate, ele vai ao DVD player e assiste a um antigo show do Maiden. “Eu gosto disso”, ele ri. “Eu sento lá com a Meemes, com os pés pra cima, e eu volto praquela época. Eu fico sorrindo por todo o vídeo. A gente era uma banda boa, sabe.”

Antes que a gente comece a falar do Maiden, e como eles eram bons com Clive junto, talvez seja mais pertinente abordar como isso acabou. Isso é algo que tem sido negado a Clive pela maior parte dos últimos 30 anos. Muito tem sido escrito sobre sua saída do Maiden, durante uma exaustiva turnê no verão de 1982. E a maioria disso tudo, ele diz firmemente, é asneira.

“Eu ouvi as histórias – que foi por causa de drogas ou por muita bebida”, ele diz. “Não foi nada parecido com isso”.
A verdade, como é muitas vezes em casos de cadeiras musicais do heavy metal, é um pouco mais sórdida, um pouco mais acrimoniosa. Começou com uma ligação. Ele não lembra onde ele estava quando recebeu a ligação, ele só lembra que ele tinha que ir pra casa em Londres. O pai dele, Ronald, tinha morrido repentinamente de um infarto. Ele tinha apenas 57 anos.

Um mapa dos EUA ponteado com shows está à frente do Maiden, mas naquele momento, isso não importava, ele diz. “Eu tinha que ir pra casa”. Todo mundo pareceu concordar com isso, ele lembra. Vai pra casa, eles disseram. Fique com sua família. Clive voou de volta pra casa num Concorde.

O Maiden trouxe o ex-baterista do TRUST, Nicko McBrain, como substituto de modo que a turnê continuasse, o show pudesse continuar. Clive e Nicko eram amigos. Sem problema. Tudo estava beleza. “Eu conhecia o Nicko”, Clive diz. Cara legal. Bom baterista. Num número dos primeiros shows, Nicko tinha se caracterizado de Eddie para assustar a plateia. “Ele amava a banda, ele amava ser parte de tudo aquilo. E o resto da banda gostava dele”. Clive estava prestes a descobrir o quanto gostavam.

Então Clive foi pra casa, foi ao funeral de seu pai, passou algum tempo com sua família, e duas semanas depois, voou de volta para os EUA para juntar-se ao Maiden, que estava cruzando a América abrindo pro Rainbow, Scorpions, .38 Special e Judas Priest. “Eu voltei e podia sentir que algo não estava certo”, Clive lembra. Houve uma reunião. A atmosfera estava tensa. Havia mudança no ar, e Clive, ainda dormente pela perda do pai, podia farejá-la. “Achamos que está na hora de uma pausa”, eles disseram a Clive. E foi isso. Depois da melhor parte de quatro anos, três discos – não apenas qualquer disco velho, tampouco, mas os três discos que muitos fãs do Maiden dirão a você que permanecem sendo o melhor trabalho da banda – e de repente o sonho tinha acabado, logo quando estava começando a virar realidade.

Todos sabem o que aconteceu com o Maiden depois. O que aconteceu a seguir com Clive Burr foi um caso de sacudir a poeira e começar tudo de novo. Ele estava de luto por seu pai. Agora ele também estava de luto de sua banda e do trabalho com o qual ele tinha sonhado desde que viu Ian Paice tocando "Highway Star" com o Deep Purple pela primeira vez. Em casa, no Reino Unido, os rumores eram díspares: eram as drogas as culpadas por sua demissão; era a cachaça; que Clive gostava da cerveja, sexo e rock n’ roll apenas um pouco mais do que os outros; que algumas vezes ele tinha que tocar nos shows com um balde do lado de sua bateria pra quando as ressacas fossem demais... as mazelas do rock n’ roll estavam entrando no caminho da banda, todo mundo concordava. Todos exceto por Clive.

Trinta anos depois, ele diz que ainda incomoda ouvir isso. Ele nunca foi muito de beber. Claro, ele tomava brandy com Coca-Cola – um Curvoisier e uma Coca-Cola. “Meu roadie costumava me arrumar um antes de entrarmos no palco”, ele ri – mas nada muito exagerado. Não mais ou menos do que qualquer um da banda. “Éramos como garotos de escola nos EUA”, ele diz. “Nunca havíamos estado lá antes e nossos olhos se abriram. Havia muitas festas, e as garotas estavam se jogando em cima de nós. Nós nunca tínhamos vivido qualquer coisa como aquilo.”

Clive – o cara que tinha sido eleito ‘Gostosão do Mês’ de julho pela revista para adolescentes Oh Boy – mandou ver. “Claro que mandei. Todos nós mandamos.” E daí acabou. Clive voou para Londres novamente, e daí para a Alemanha com sua mãe, e ficou na dele. “Eu estava muito chateado para sentir raiva disso”, ele diz. “Houve um período de luto – eu senti pelo meu pai e eu senti pela minha banda – e daí eu me levantei e continuei”.

Simples assim?

“Bem assim, sim. Não teve nenhuma mágoa. A vida é curta demais. É bom esclarecer os fatos, contar meu lado da história”, ele diz, “porque ele não é muito conhecido. Eu acho que se você vai despedir alguém, despedir essa pessoa logo depois dela ter perdido o pai não é o melhor momento pra fazê-lo... eu acho que eles tinham as razões deles. E foi isso.”

Depois do Maiden, Clive tocou com um número de bandas em seqüência rápida: Graham Bonnet’s Alcatrazz (isso durou uma semana), Stratus, o assim chamado supergrupo da NWOBHM Gogmagog, Elxir, Dee Snider’s Desperados. Nenhuma delas chegou perto de obter o que ele tinha alcançado com o Maiden. E ainda assim, para Clive, isso não fazia diferença. “Eu só queria toca. Quando eu vim pra casa da Alemanha,depois do Maiden, eu costumava prender meu cabelo num chapéu, pôr um par de óculos escuros e tocar com qualquer pessoa que me quisesse, nos bares por Londres”, ele ri. “Eu só queria tocar bateria”.

Era como era quando ele era garoto. Os Burr moravam num apartamento em Manor Park, no coração da zona Leste de Londres. Enquanto estava na escola, Clive construiu uma bateria artesanal. “Tudo que tínhamos pela casa, ele estava batendo com baquetas”, sua mãe Kiara lembra.

Quando ele descobriu Ian Paice e o Deep Purple, sua obsessão pareceu tomar uma nova dimensão. A família de Kiara comprou seu primeiro kit da bateria pra Clive quando ele tinha 15 anos. Foi tanto uma benção como uma praga. “Era legal pra eles, mas eles não tinham que ouvir aquilo”, diz Kiara. “Eu costumava sair do apartamento com medo de olhar os vizinhos na cara por causa do barulho que ele estava fazendo.”

Mesmo para os ouvidos leigos de Kiara, ela conseguia ver que era bom. Muito bom. Ele nunca teve uma aula propriamente dita, ele aprendeu vendo outros bateristas e tocando constantemente.

Clive entrou pro Maiden saindo do Samson em 1979, substituindo Doug Sampson, logo quando o Maiden estava prestes a assinar com a gingante EMI Records. Era um baita passo, ele lembra, do rock tradicional calcado no blues do Samson. Os ensaios do Maiden eram sérios, e eles tinham que ser. As canções eram mais rápidas e intrínsecas, com muitas mudanças de tempo. Tocar bateria com essa banda não era emprego pra novato. Mais –e melhores – shows começaram a vir, e também o interessa na banda de gravadoras. Logo que a EMI contratou o Maiden, Clive saiu de seu emprego diurno como entregador na cidade.

O sucesso da banda devia-se quase todo ao baixista, Steve Harris, Clive diz, “Steve era o líder, com certeza. Ele escrevia as músicas, ele agendava os shows, ele arrumava os ensaios. Ele era muito centrado. Ele sabia pra onde ele queria que a coisa fosse. E a gente seguia.”

A sessão rítmica naqueles três primeiros discos não podia ser mais entrosada. “Nem sempre foi assim, Clive lembra. “Steve costumava dizer que eu tocava as músicas de maneira muito rápida, ele estava sempre me dizendo pra desacelerar. Minha memória marcante de gravar 'The Number of the Beast' é Steve me dizendo pra diminuir”.

Havia rusgas, ele diz, mas nada sério, nada grande. “A gente se dava bem, e havia muita camaradagem”. Mesmo depois da racha, Clive se encontrava com o guitarrista do Maiden, Adrian Smith e iam pescar.

Quando a banda soube da esclerose múltipla de Clive, eles interferiram e ajudaram-no da melhor maneira que eles podiam – tocando por ele. A ajuda deles transformou sua vida.
“Eles me deram um carro...” Ele pausa. “Meeeeeeemes, que carro é aquele mesmo?” ele grita. “Nós os chamamos de Clivemóvel. É um Volkswagen Caddy com vidro fumê. É como um carro de gângster americano. Eles organizaram shows para angariar dinheiro, não só pra mim, mas pra outras pessoas com EM. Eles colocaram um elevador nas escadas de nossa casa. Algumas vezes eu subo as escadas olhando pros discos de ouro e platina na parede, ha ha ha”.

Melhor do que isso, e o que ele mais aprecia em tudo, Mimi diz que quando Clive está sumido, eles se lembram dele. “Eles dizem que se você precisar de qualquer coisa, apenas ligue, telefone,” ela diz. “Toda vez que eles tocam em Londres, Clive sabe que tudo que ele tem a fazer é pegar o fone e ele tem os dois melhores ingressos do lugar. Pode não parecer muito, mas pra Clive, é. No fim das contas, pra ele, é como seus feitos – quem ele é e o que ele fez – estão sendo reconhecidos.

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